terça-feira, maio 29, 2007

sexta-feira, maio 25, 2007

Quinteto Y


Foi no Festival de Música da Maia que o Quinteto Y fez a sua estreia absoluta, no passado sábado. John Aigi Hurn (trompete), Mário Costa (trompete), Francisco Piñeiro (trompa), Álvaro Pinto (trombone) e Adélio Carneiro (tuba) apresentaram obras de J. S. Bach, John Williams, entre outros, encerrando com um tango de Kompanek.

Victor Dias, no Portal da Cultura da Maia, destaca as "interpretações notáveis, plenas de brilho e de uma sonoridade muito bem timbrada, que permitiu ao público uma audição do fraseado, das várias vozes contempladas nas obras originais e nos arranjos para este género de quinteto, cheia de claridade musical e fino recorte estético."

quinta-feira, maio 24, 2007

Remix Ensemble (reportagem)

O Remix Ensemble, agrupamento residente da Casa da Música, dedica-se exclusivamente à música contemporânea. Reconhecido pela crítica internacional, tem feito diversas estreias mundiais, trabalhando com compositores e maestros conceituados. O sucesso do projecto passa também pelos bastidores.


Portas pretas e pesadas que se abrem para corredores largos onde não chega a luz do dia. Funcionários que arrastam caixotes cruzam-se com artistas que falam português, inglês e espanhol. É assim o piso -2, a cave dos ensaios da Casa da Música.


Na sala principal, alguns músicos conversam. Os acordes do violino de Heleen Hulst e as anotações do pianista inglês Jonathan Ayerst preparam o Concerto de câmara para piano, violino e 13 instrumentos de sopro de Alban Berg.

Simon Breyer toca trompa, mas enquanto não começa o ensaio, diverte-se a experimentar os estranhos instrumentos da percussão. Estranhos porque são recentes na composição da música erudita. São contemporâneos, tal como as obras que o Remix Ensemble interpreta.

Na música contemporânea explora-se o nunca antes experimentado. “Consigo tirar mais do que pensava ser possível, ir mais longe do que os limites”, diz Stephanie Wagner, flautista do Remix há três anos. Natural de Lisboa, emigrou para a Alemanha em busca de melhores oportunidades no mundo da música. Mas foi cá que, curiosamente, encontrou emprego. Continua a viver na Alemanha, mas regressa todos os meses para trabalhar no Remix, mais pelo ambiente de amizade do grupo. “O que nos faz especiais é a amizade que temos; é um grupo muito unido e isso faz a diferença. Uma coisa especial que não se pode comprar e que não existe numa orquestra nem noutros grupos.” Até porque numa orquestra há mais distância entre as pessoas: “é um grupo enorme e isso cria mais concorrência, rivalidade”, acrescenta.

“OK!”, diz o maestro alemão Peter Rundel e o silêncio torna-se absoluto. O Concerto de Câmara de Alban Berg abre com um solo de piano, seguido pelo violino. Depois entram os 13 instrumentos de sopro. Sons aparentemente descoordenados que não penetram facilmente no ouvido, mas não deixam indiferente o espectador mais distraído.

Jonathan desliza os dedos nas teclas com suavidade, não obstante a pujança do som. A naturalidade da sua execução dá a ideia de que é fácil reproduzir os desenhos assustadores da partitura. Pianista do Remix desde a sua fundação, Jonathan Ayerst elege “o alto nível dos músicos e a variedade do repertório” como “as melhores coisas” do grupo.

O pianíssimo é interrompido pelo fortíssimo de todo o Ensemble. Cada segundo é uma surpresa. Quando se espera um abrandar do ritmo ou da intensidade, eis que irrompe uma tempestade de sons atordoadores, estudados matematicamente. Nenhuma nota vem do acaso, apesar da aparente desordem.

O que Berg quis dizer quando fez calar o piano no momento em que entrava o violino? Segundo a explicação do programa assinada por Paulo Assis, o Concerto de Câmara (Kammerkonzert), “assinala um ponto de viragem da maior importância na obra de Alban Berg”, que se apresenta como “alguém que tudo revela sem nada revelar”.


O efeito das surdinas dos metais, os bouchés (sons fechados) e os cuivrés (sons abertos) das trompas, o vibrato da flauta, os glissandos do trombone. As notas agudíssimas do flautim, a bravura da requinta, a potência dos baixos do contra-fagote…

Peter Rundel dirige o ensaio sentado numa cadeira alta, pousada num estrado. Todos os músicos têm de ver e ser vistos pelo maestro. Um olho na partitura, outro no maestro. A direcção musical determina não só a interpretação da obra mas também o rumo do concerto, ao vivo e em directo, onde nada é exactamente igual aos ensaios.

Todos são solistas, não há papéis secundários. Apesar do potencial profissional de cada músico, André Quelhas, gestor do grupo, diz que “o Remix é mais do que a soma das suas individualidades” e o facto de estar “em constante crescimento e expansão, não tem dado para ninguém se acomodar”.


“Very good!”, diz Peter Rundel, quando o eco deixado pelos últimos acordes se desvanece no ar. Os músicos agradecem com um tímido aplauso. “Time for break!” é a frase do maestro que anuncia o intervalo.

A segunda parte do ensaio destina-se a trabalhar a interpretação. Peter Rundel interrompe várias vezes a execução para dar indicações. Não fala português, apenas inglês e, esporadicamente, alemão, a sua língua natal. Explica a José Fernando Silva, o oboista principal: “Tenta entrar no espírito do compositor! Tenta ser tu o compositor!”. “Penso que podes ser um bocadinho mais expressivo”, diz ao clarinetista Ricardo Alves. “More charm!!!”, acrescenta Rundel a sorrir.

O nível da execução não tira espaço a momentos de descontracção, troca de piadas e gargalhadas. Feitas as correcções, o ensaio termina com um simpático “Thank you!” de Peter Rundel. Desmontam-se os instrumentos, fecham-se os estojos. Até ao dia seguinte.

Sandra Bastos
Janeiro 2007
Reportagem para a disciplina de Complementos de Jornalismo

terça-feira, maio 22, 2007

Hotel Ruanda

Um herói. Paul Rusesabagina salvou mais de mil pessoas no Ruanda, em 1994. Como gerente do hotel belga Mille Collines, Paul não só protege a sua família do genocídio provocado pelos Hutus, como também refugiados Tutsis e Hutus, ao comprar favores dos militares e da milícia, mantendo assim, o hotel a salvo.

quarta-feira, maio 16, 2007

As lições de Beethoven com Haydn

“As lições com Haydn passam-se numa atmosfera cordial, por vezes à volta de uma chávena de chocolate, e o mestre está tão orgulhoso do seu aluno que não só faz com que o seu príncipe, Nicolau Esterházy, o convide para Eisenstadt no início do Verão de 1793, como também lhe empresta dinheiro e apoia o seu pedido junto do príncipe eleitor de Colónia para prosseguir a sua formação em melhores condições financeiras.”

Élisabeth Brisson, em “Ludwig van Beethoven”

Beethoven entre Bona e Viena

“[Beethoven] Já conhece Viena, uma vez que aí passou duas semanas no início da Primavera de 1787. Qual não terá sido a sua decepção por ter ficado tão pouco tempo numa cidade que ele sentia ser feita à medida da sua ambição! “Aqui em Bona, o destino não me é favorável”, dizia ele quando voltou a casa. Regressara pois com a firma convicção de aí conseguir encontrar a sua realização como artista: “Se algum dia me tornar um grande homem, vós tereis contribuído para tal”, escreve ele a Neefe, pouco mais de um ano após a sua chegada a Viena, na mesma altura em que copia esta citação no seu caderno de viagem: “Coragem! Apesar de todas as fraquezas do corpo, o meu génio tem de triunfar. – Eis-me com vinte e cinco anos, é preciso que este ano revele o homem completo. – Não deverá haver nada mais a fazer.”

Élisabeth Brisson, em “Ludwig van Beethoven”

sexta-feira, maio 04, 2007

O Norte como ele é, escrito por Miguel Esteves Cardoso...

«Primeiro, as verdades.
O Norte é mais Português que Portugal.
As minhotas são as raparigas mais bonitas do País.
O Minho é a nossa província mais estragada e continua a ser a mais bela.
As festas da Nossa Senhora da Agonia são as maiores e mais impressionantes que já se viram.

Viana do Castelo é uma cidade clara. Não esconde nada. Não há uma Viana secreta. Não há outra Viana do lado de lá. Em Viana do Castelo está tudo à vista. A luz mostra tudo o que há para ver. É uma cidade verde-branca. Verde-rio e verde-mar, mas branca. Em Agosto até o verde mais escuro, que se vê nas árvores antigas do Monte de Santa Luzia, parece tornar-se branco ao olhar. Até o granito das casas.

Mais verdades.

No Norte a comida é melhor.

O vinho é melhor.

O serviço é melhor.

Os preços são mais baixos.

Não é difícil entrar ao calhas numa taberna, comer muito bem e pagar uma ninharia.

Estas são as verdades do Norte de Portugal.

Mas há uma verdade maior.

É que só o Norte existe. O Sul não existe.

As partes mais bonitas de Portugal, o Alentejo, os Açores, a Madeira, Lisboa, et caetera, existem sozinhas. O Sul é solto. Não se junta.

Não se diz que se é do Sul como se diz que se é do Norte.

No Norte dizem-se e orgulham-se de se dizer nortenhos. Quem é que se identifica como sulista?

No Norte, as pessoas falam mais no Norte do que todos os portugueses juntos falam de Portugal inteiro.

Os nortenhos não falam do Norte como se o Norte fosse um segundo país.

Não haja enganos.

Não falam do Norte para separá-lo de Portugal.

Falam do Norte apenas para separá-lo do resto de Portugal.

Para um nortenho, há o Norte e há o Resto. É a soma de um e de outro que constitui Portugal.

Mas o Norte é onde Portugal começa.

Depois do Norte, Portugal limita-se a continuar, a correr por ali abaixo.

Deus nos livre , mas se se perdesse o resto do país e só ficasse o Norte, Portugal continuaria a existir. Como país inteiro. Pátria mesmo, por muito pequenina. No Norte.

Em contrapartida, sem o Norte, Portugal seria uma mera região da Europa. Mais ou menos peninsular, ou insular.

É esta a verdade.

Lisboa é bonita e estranha mas é apenas uma cidade. O Alentejo é especial mas ibérico, a Madeira é encantadora mas inglesa e os Açores são um caso à parte. Em qualquer caso, os lisboetas não falam nem no Centro nem no Sul - falam em Lisboa. Os alentejanos nem sequer falam do Algarve - falam do Alentejo. As ilhas falam em si mesmas e naquela entidade incompreensível a que chamam, qual hipermercado de mil misturadas, Continente.

No Norte, Portugal tira de si a sua ideia e ganha corpo. Está muito estragado, mas é um estragado português, semi-arrependido, como quem não quer a coisa.

O Norte cheira a dinheiro e a alecrim.

O asseio não é asséptico - cheira a cunhas, a conhecimentos e a arranjinho. Tem esse defeito e essa verdade.

Em contrapartida, a conservação fantástica de (algum) Alentejo é impecável, porque os alentejanos são mais frios e conservadores (menos portugueses) nessas coisas.

O Norte é feminino.

O Minho é uma menina. Tem a doçura agreste, a timidez insolente da mulher portuguesa. Como um brinco doirado que luz numa orelha pequenina, o Norte dá nas vistas sem se dar por isso.

As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos verdes-impossíveis, daqueles em que os versos, desde o dia em que nascem, se põem a escrever-se sozinhos.

Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham de frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não dão confiança. Olho para as raparigas do meu país e acho-as bonitas e honradas, graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem belas, erguidas pelo nariz, seguras pelo queixo, aprumadas, mas sem vaidade. Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas, da maneira como coram quando se lhes fala e da maneira como podem puxar de um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito. Gosto das pequeninas, com o cabelo puxado atrás das orelhas, e das velhas, de carrapito perfeito, que têm os olhos endurecidos de quem passou a vida a cuidar dos outros. Gosto dos brincos, dos sapatos, das saias. Gosto das burguesas, vestidas à maneira, de braço enlaçado nos homens. Fazem-me todas medo, na maneira calada como conduzem as cerimónias e os maridos, mas gosto delas.

São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem. As mulheres do Norte deveriam mandar neste país. Têm o ar de que sabem o que estão a fazer. Em Viana, durante as festas, são as senhoras em toda a parte. Numa procissão, numa barraca de feira, numa taberna, são elas que decidem silenciosamente.

Trabalham três vezes mais que os homens e não lhes dão importância especial.

Só descomposturas, e mimos, e carinhos.

O Norte é a nossa verdade.

Ao princípio irritava-me que todos os nortenhos tivessem tanto orgulho no Norte, porque me parecia que o orgulho era aleatório. Gostavam do Norte só porque eram do Norte. Assim também eu. Ansiava por encontrar um nortenho que preferisse Coimbra ou o Algarve, da maneira que eu, lisboeta, prefiro o Norte. Afinal, Portugal é um caso muito sério e compete a cada português escolher, de cabeça fria e coração quente, os seus pedaços e pormenores. Depois percebi.

Os nortenhos, antes de nascer, já escolheram. Já nascem escolhidos. Não escolhem a terra onde nascem, seja Ponte de Lima ou Amarante, e apesar de as defenderem acerrimamente, põem acima dessas terras a terra maior que é o "O Norte".

Defendem o "Norte" em Portugal como os Portugueses haviam de defender Portugal no mundo. Este sacrifício colectivo, em que cada um adia a sua pertença particular - o nome da sua terrinha - para poder pertencer a uma terra maior, é comovente.

No Porto, dizem que as pessoas de Viana são melhores do que as do Porto. Em Viana, dizem que as festas de Viana não são tão autênticas como as de Ponte de Lima. Em Ponte de Lima dizem que a vila de Amarante ainda é mais bonita. O Norte não tem nome próprio. Se o tem não o diz. Quem sabe se é mais Minho ou Trás-os- Montes, se é litoral ou interior, português ou galego? Parece vago. Mas não é. Basta olhar para aquelas caras e para aquelas casas, para as árvores, para os muros, ouvir aquelas vozes, sentir aquelas mãos em cima de nós, com a terra a tremer de tanto tambor e o céu em fogo, para adivinhar.

O nome do Norte é Portugal. Portugal, como nome de terra, como nome de nós todos, é um nome do Norte. Não é só o nome do Porto. É a maneira que têm e dizer "Portugal" e "Portugueses". No Norte dizem-no a toda a hora, com a maior das naturalidades. Sem complexos e sem patrioteirismos. Como se fosse só um nome. Como "Norte". Como se fosse assim que chamassem uns pelos outros. Porque é que não é assim que nos chamamos todos?».

Miguel Esteves Cardoso